Por Leandro Navatta
Levantar capital para uma startup não é uma coisa simples. Ao contrário da imagem que temos de empreendedores que levantaram bilhões enquanto jogavam League of Legends no meio da reunião, a realidade é que captar recursos pode ser um processo longo, exaustivo, frustrante e emocionalmente desgastante. Quero compartilhar aqui um pouco da minha experiência e da experiência de conhecidos e amigos.
O paradoxo do crescimento
Um dos maiores paradoxos que você enfrenta logo de cara é que, para atrair investidores, você já precisa estar mostrando crescimento. Só que, para crescer, na maioria das vezes, você precisa de capital. Esse é o ciclo vicioso que muitos fundadores encaram no início de suas startups, muitas vezes tendo que fazer tudo sozinhos ou com uma equipe de nível júnior. E mesmo assim, quando você consegue tirar leite de pedra e mostra resultados, a cada reunião, a resposta era a mesma: “Vocês têm algo interessante, mas queremos ver mais tração.” Mas como crescer sem dinheiro?
A arte de vender o sonho
Outro desafio é perceber que uma boa ideia ou produto não é suficiente. No início, eu acreditava que os números, os cases, os clientes e a qualidade do meu produto iam falar por si só. Grande erro. Descobri que captar investimento é uma arte de contar histórias. Os investidores querem ouvir uma narrativa que faça sentido para eles, querem saber que você é a pessoa certa para liderar essa ideia, que o seu time está comprometido e que o mercado vai querer o que você está vendendo. Eles investem em pessoas tanto quanto (ou mais) do que em produtos. O pitch não é sobre o que eu achava importante, mas sim sobre o que eles queriam ouvir. Por isso é muito importante entender quais as características, interesses e pontos fortes do seu interlocutor e adaptar seu discurso pra ele.
As incongruências do investidor brasileiro
Uma das grandes reflexões que fiz nos últimos meses foi sobre a mentalidade dos investidores brasileiros. Existe um paradoxo curioso: muitos investidores querem os retornos exponenciais que os investimentos em startups podem proporcionar, mas ao mesmo tempo esperam a segurança de uma renda fixa. Eles pedem garantias que, em uma startup, muitas vezes não existem. No mercado brasileiro, onde o ambiente econômico pode ser instável e você pode fazer 12% ao ano facilmente com investimentos conservadores, isso é compreensível, mas acaba inibindo a inovação e o crescimento na fonte. Muitos investidores estão dispostos a apostar, mas só depois que a startup já provou seu sucesso, o que vai contra o espírito do investimento em estágio inicial, que é justamente alavancar o potencial de crescimento antes que ele se concretize. Isso gera uma tensão constante entre fundadores e investidores, e entender como lidar com essa mentalidade sem prometer algo que você não conseguirá entregar depois é muito difícil.
Sua startup não é especial
Investimentos são negócios como quaisquer outros. Se na sua empresa você possui um funil de marketing, por que fundos de investimento ou investidores anjo seriam diferentes? Esses atores recebem milhares de pitchs por ano, então são altas as chances do seu pitch ser algo que ele já tenha ouvido. Qual é o seu diferencial? Eles querem saber se você já falhou antes, se aprendeu com isso, se tem resiliência. Querem ver tração, e querem sentir que o time está alinhado. Entender essa psicologia me ajudou a ajustar minha abordagem e tentar transmitir mais confiança e força nas conversas.
A Importância de networking
Um conhecido, na época da faculdade, falava que “network não é tudo, mas é 100%”. Se você não tem um “warm introduction” — uma apresentação vinda de alguém de confiança do investidor, de preferência uma startup já investida por ele —, suas chances diminuem drasticamente. É a mesma coisa que algum conhecido te indicar um filme, série ou livro. É cansativo e nem sempre recompensador, mas vale a pena investir no relacionamento certo. Na hora de prospectar um fundo, tente achar quem são as pessoas envolvidas (geralmente já está no site), quais startups foram investidas e use e abuse das suas conexões do LinkedIn.
Rejeição, incerteza e a montanha-russa emocional
Uma das partes mais difíceis de captação de recursos é o impacto emocional. Ouvir um “não” atrás do outro, lidar com a incerteza de não saber se vai conseguir fechar a rodada e, ao mesmo tempo, manter a equipe motivada, é extremamente desgastante. Às vezes você sai de uma reunião achando que a pessoa amou o produto, que vocês tiveram uma conexão, só pra receber um email alguns dias depois de “decidimos não seguir, mas vamos manter o contato e falamos de novo em alguns meses”. O processo de levantar investimento é um ciclo de venda igual a qualquer outro: você vai precisar encher o topo do funil para ter algumas conversões no final. A diferença é que você geralmente só precisa de poucas conversões.
O mercado mudou e tudo está mais difícil
A realidade é que, hoje, é muito mais difícil captar investimento do que alguns anos atrás. A recente alta nas taxas de juros do mundo inteiro, principalmente nos EUA, e o aumento no custo do dinheiro tornaram o processo de captação de recursos ainda mais desafiador para startups. Com o dinheiro ficando mais caro, investidores se tornam mais seletivos e cautelosos em seus aportes e muda a forma como eles analisam potenciais investimentos. A necessidade de demonstrar tração e resultados sólidos logo de cara se intensifica. Já se foram os tempos do “cresce primeiro e depois resolvemos o modelo de negócio”.
Captação vai muito além de um cheque assinado
Mesmo quando você encontra um investidor interessado, a jornada está longe de acabar. O processo de due diligence — onde os investidores vão verificar suas finanças, seu modelo de negócios e a viabilidade do projeto — pode ser desgastante. Depois, vem a negociação dos termos, que pode incluir desde valuation até questões de controle e governança. Tome muito cuidado na hora de negociar esses termos: um deal mal feito é muito pior do que não ter um deal. Tome cuidado com cláusulas de garantia de retorno, elas podem fazer com que você acabe não ganhando nada numa futura saída.
Dicas práticas para quem está começando
- Esteja preparado para ouvir muitos “nãos” e não desista por causa disso. Você só precisa de um sim.
- Estude sobre valuation, term sheets, e todas as nuances do processo de captação.
- O melhor momento para captar é quando você não precisa de dinheiro. É a diferença de você querer o dinheiro para crescer ao invés de para existir. Também te dá a segurança de dizer não para propostas que não fazem sentido.
- Foque em construir tração antes de buscar capital — tenha métricas sólidas para apresentar.
- Escolha investidores que agreguem além do capital — conexões, experiência, caminho para um exit e mentoria são tão valiosos quanto o dinheiro.
- Se envolva na comunidade: eventos, ligas de empreendedorismo, cursos, etc. O mundo de startups é menor do que você imagina e todo mundo se conhece.
* Leandro Navatta é fundador e CTO da Pixel Roads: https://pixelroads.com.br/