“Não consigo trabalhar. Escrever não faz sentido, porque só sei falar sobre um mundo que já não existe, o mundo pré-pandemia, pra um mundo que ainda não existe, pós-pandemia”.
Gregório Duvivier
Quem, como eu, era um adolescente na metade dos anos 80, entende o que vou dizer. Nossa vida girava em torno de um Shopping. Vivemos o deslocamento da desocupação do espaço público para a ocupação de um espaço privado. Traduzindo, fomos trocando a rua pelos corredores climatizados e os espaços de convivência dos Shopping Centers. Inclusive, por questões de segurança. Obviamente, este não foi o único movimento causado pelos shoppings. Eles também representaram uma movimentação que descaracterizou o comércio de bairro nas regiões onde eles se instalaram, algumas vezes com força suficiente para reorganizar toda vida comercial das localidades. Naquele tempo, principalmente nas pequenas e médias cidades, a chegada de um Shopping era um orgulho, uma demonstração de que estávamos progredindo.
E assim as coisas seguiram até, mais ou menos, o início da década de 10 deste século, com a proliferação de grandes shoppings, até que as cidades não os suportassem mais, e eles começassem a competir entre si em um jogo em que todo mundo mais perde do que ganha. De maneira geral, a maioria dos shoppings começou a apresentar uma combinação de fatores como taxa de desocupação crescente, ticket médio em queda (explicados, sobretudo, por fatores macroeconômicos), lojistas quebrados, queda no fluxo[1] e público que pouco se interessa pelo mix de estabelecimentos – já que há pouca diferenciação entre os concorrentes.
Assim, o modelo de negócios começou a morrer. Talvez pouca gente tenha percebido. Provavelmente, quando (seria melhor usar um se?) o coronavírus nos deixar, veremos uma corrida que fará com que os corredores fiquem lotados por algum tempo. Será uma questão de tempo para que o modelo volte a definhar.
Ainda que alguns dos grandes players se mantenham, sobretudo nas metrópoles, o modelo não dá mais. Talvez, reforçando o talvez, sobrem os muito tradicionais ou os que estejam em áreas que combinam densidade demográfica, densidade comercial e renda média elevada.
E por que eu digo que isso vai acontecer?
Basicamente, são três motivos.
O primeiro deles, menos impactante, é o mundo que vai emergir no pós-pandemia. A tendência é que jovens, especialmente os mais bem informados, mantenham distância de ambientes com alto potencial de transmissão. Essa incerteza à respeito da segurança dos ambientes deve durar algum tempo ainda, o que dificultará a recuperação econômica de shoppings e lojistas, principalmente os últimos.
O segundo motivo é a mudança dos hábitos de consumo. Tire entretenimento, lazer, alguns restaurantes e as âncoras (que não precisam do shopping para sobreviver). O que sobra são lojas que sofrem para fechar a conta. As pessoas cada vez menos enxergam o ambiente como um “shopping center” e cada vez mais enxergam como um espaço de entretenimento relativamente seguro. Assim, boa parte do fluxo de pessoas está lá não para comprar, mas para passar o tempo. Temos poucos consumidores com sacolas e muitos com uma casquinha do Mc Donald’s. Pouca gente comprando roupa e muita gente no cinema. Para piorar, cada vez menos gente gosta de sair de casa, como comprovam a Netflix e o iFood, por exemplo.
Estes são dois motivos que, em suma, não podem ser creditados na conta das administradoras dos shoppings, uma vez que são comportamentais – embora os aluguéis e condomínios exorbitantes apontem para uma falta de conexão entre a realidade do lojista e a das administradoras dos shoppings, o que também prejudica os negócios. Assim, quando temos um modelo de negócios cada vez menos interessante para os lojistas comuns, menores as chances de que alguém enxergue a possibilidade de ter uma loja como um investimento seguro. Traduzindo: menos gente vai querer ser dono de uma loja, o que aumenta a desocupação e colabora para a diminuição do fluxo, uma vez que um tapume não é nada interessante para um cliente.
Por fim, temos aquele que considero o principal motivo. Os shoppings não trabalham com inteligência de dados (real) para gerar negócios para todos os lojistas. Não há nenhum sistema de captação de perfil de consumo. Cada cliente que compra em uma loja é uma oportunidade perdida para todas as outras com perfil complementar ou similar. O modelo de negócio está parado, no mínimo, há 20 anos. O que os shoppings fazem para “gerar negócio”? Ações para implementar fluxo. Depois de gerar o fluxo, o que ele sabe sobre essas pessoas? Nada. Quanta gente visita as decorações de Natal e sai sem comprar nada? Muitas. Ou pior: quanta gente compra e não tem as suas informações trabalhadas com inteligência? Todas.
Em um mundo em que a inteligência artificial trabalha para antecipar as intenções de compra por meio de um mapeamento do perfil e dos hábitos de consumo, acreditar que o consumidor vai se deslocar até um shopping center para comprar alguma coisa que ele pode receber no conforto da sua casa é olhar o mundo pelo retrovisor.
Conhece a história da Blockbuster? Então você entendeu onde eu quero chegar.