“Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.
Neste momento, junho de 2020, ainda repercute a entrevista do youtuber Felipe Neto no Programa Roda Viva da TV Cultura. Se você não viu, garanto que vale à pena. Primeiro, para mudar a sua opinião sobre o influenciador. Felipe Neto, ao contrário do que muita gente na faixa dos 40 aos 50 anos pensa, não é um moleque bobo. Aliás, não é nem moleque (tem 32 anos) e nem bobo. E o reconhecimento não tem nada a ver com o patrimônio que ele construiu, sabemos que há incontáveis milionários que se comportam como idiotas. Também não se trata, especificamente, do seu reposicionamento político, uma vez que, apesar de tudo, ainda tento manter algum respeito por todas as correntes, mesmo aquelas antidemocráticas contra as quais me posiciono tentando não perder a linha (fico me lembrando de que se eu deixar a raiva me dominar, vou mais me assemelhar do que me diferir deles). Acima de tudo, meu reconhecimento vem, simplesmente, pelo ato de se reposicionar.
Opa, não custa reforçar. Não estou julgando se ele estava certo e agora está errado, ou se ele estava errado e agora está certo. Estou falando sobre olhar para dentro, perceber que alguma coisa não está legal consigo, e mudar. Mudar. Ser livre para mudar e abraçar novas causas e novas possibilidades. Inclusive, lendo meus próprios textos de anos anteriores, percebo que já não concordo comigo. Metade do que disse não diria de novo e, de algumas coisas, sinto uma certa vergonha. Acho que mudei, espero que para melhor. Mas, qualquer coisa, eu mudo de novo, sem crise. Não quero e não vou ter as mesmas opiniões para sempre.
Sinceramente, considero este assunto extremamente relevante na “Era do Cancelamento” e dos linchamentos on-line. Entrou na moda, recentemente, o conceito de cancelamento virtual. Sim, também é verdade que muita gente anda falando e fazendo besteira e que, algumas destas, são realmente muito pesadas. Mas, peraí, punição perpétua? Julgamento promovido pela turba ensandecida? Isso faz mesmo sentido? Levantar uma questão, julgar e condenar “para sempre” em questão de minutos? Pior, sem observar as trajetórias individuais que levaram as pessoas a serem quem elas são (seria melhor dizer estão já que acredito na transitoriedade como fundamento da humanidade?).
Sei que falei de Cristianismo lá em cima. É uma provocação. Mas será que essa galera canceladora conhece a história do Cristianismo? Tem a mínima ideia do que foram as Cruzadas? Toco em um ponto tão sensível apenas para dizer que muita coisa ruim já foi feita “em nome de Deus” e que, independentemente do contexto, aos olhos de hoje parecem inaceitáveis. Vamos fazer o que com isso? Cancelar o Cristianismo? Cancelar os Papas cujo papel histórico não foi exatamente exemplar? Pegar todos os cristãos e dizer: “se você não se envergonha disso, você é corresponsável pelas atrocidades cometidas um punhado de centenas de anos atrás? Obviamente não. Inclusive porque o Cristianismo se dividiu em várias vertentes e assumiu posturas muito mais próximas com aquelas pregadas pelo Fundador no decorrer dos anos. Ele evoluiu.
Bom, daí eu preciso dar um cavalo-de-pau no rumo da conversa para voltar ao que interessa neste espaço: o posicionamento, a comunicação e as estratégias de construção de marca que passam, cada vez mais, pela construção de um propósito que esteja alinhado com valores universais como diversidade, representatividade, fim de qualquer tipo de preconceito, colaboratividade, sustentabilidade, não-violência, solidariedade e tantos outros.
Ainda assim, por que tantas marcas e empresas resistem em mudar? Qual o motivo de morrerem abraçadas com ideias que, muitas vezes, conduziram ao sucesso em um passado remoto? Puxando um pouco a sardinha, qual o medo de ouvir profissionais de marketing e de comunicação que apontam visões diferentes?
Quanto mais eu penso sobre isso, menos eu entendo. Empresas de todos os portes ainda consideram o trabalho de uma agência (ou de um consultor) uma coisa supérflua. É gasto, despesa, não investimento. Sei lá, acho que está faltando a coragem que teve o Felipe Neto. Sair da zona de (des)conforto, admitir que mudar é possível, que pode doer, que algumas pancadas virão, mas que a coragem de aceitar o novo é o que diferencia quem permanece no jogo e quem é cancelado (neste caso, o CNPJ mesmo, não a imagem virtual).