Por Lara Dias
Com certa frequência me pergunto se cheguei em boa hora nessa festa estranha.
O que chamam de “a Era de Ouro” da publicidade brasileira contempla o período no qual a TV reinava soberana, e as duplas formadas por redatores e diretores de arte ganhavam crescente status de glamour nas agências.
Os tempos mudaram – talvez nem tão radicalmente, mas os orçamentos de filmes que ainda pensavam na TV como principal plataforma foram se espremendo na medida em que outras dezenas de formatos e necessidades surgiram num volume desconhecido até a última década.
As mídias sociais não só impactaram nossa forma de produzir e consumir conteúdo, como também provocaram um salto importante e urgente na diversidade e ampliação de vozes historicamente silenciadas. Esse é um dos motivos pelos quais o saudosismo dourado de quem diz que tudo era mais interessante no passado, não me cabe.
Porém, compartilho de uma frustração específica que vem junto do pacote das redes: uma curiosa rigidez de formato, linguagem e recursos visuais. Sou um tanto inconformada com a ideia de reduzir toda produção audiovisual de agora a uma pílula tiktokeana de seis segundos, sempre a um clique de distância do terrível destino: “pular anúncio”.
Encaixotamos narrativas na tentativa de repetir fórmulas que deram certo, de fazê-las caber numa proporção reduzidas e duração limitadas. Condicionamos nosso olhar ao filtro do algoritmo, e a soma disso tudo mudou drasticamente a forma como a publicidade se configura. Neste momento, sobrevivendo entre uma pilha de filmes fadados ao esquecimento quase instantâneo e investidas pontuais, friamente calculadas para aquele que deve ser “o” favorito na disputa dos prêmios da categoria e, quem sabe, garantir mais uma estatueta reluzente.
Em tempos de virtualidade radical, qualquer pessoa com um dispositivo móvel com câmera e internet é capaz de produzir conteúdo – aliás, o que é afinal um conteúdo? E vale dizer: essa produção independente, muitas vezes autônoma, tem baixo custo e alta capilaridade.
Se compararmos criadores e marcas, muitas vezes são os primeiros que melhor dominam a habilidade de como reter suas audiências, têm clareza de posicionamento, tom de voz e linguagem, o que os leva a circular milhares de reais em anúncios, ou publicidades, convertidos em likes, comentários e, claro, a conversão em vendas.
Então, em alguma reunião cinza, alguém propõe: “vamos fazer um conteúdo orgânico, que não tenha cara de superprodução”. A intenção é boa: emular uma estética que, bem ou mal, tem seus números robustos de engajamento.
E lá vamos nós para um processo de tratamento, chamadas de vídeo com criativos da agência e time de produção. Levantamos uma equipe de dezenas de pessoas, recrutamos montadores, motion designers, coloristas e produtoras de áudio. Procuramos a locação ideal, escolhemos elenco e figurino, e cada vírgula do texto é revisada para mimetizar o que os criadores e influenciadores fazem com um celular dentro de casa.
Tendo a achar que essa não é a melhor saída. Tampouco repetir uma lógica antiga e unilateral da publicidade que desconsidera que, hoje, a cada vez que uma campanha vai ao ar, estamos automaticamente abrindo uma conversa.
Investigo, enquanto diretora de cena, o que acredito ser um caminho que não é saudosista, mas que tampouco ignora o tempo presente e as linguagens do agora; me pergunto se, diante dessa busca inglória por audiência, não deveríamos investir em desenvolver histórias mais potentes.
Isto não significa necessariamente orçamentos megalomaníacos e um pensamento de produção já empoeirado, mas uma narrativa coesa; um roteiro que sabe costurar a mensagem pretendida, com a sensibilidade de traduzi-la para o momento presente. Para isso, é preciso ter clareza sobre com quem se deseja dialogar – e aos mais corajosos, talvez abrir mão do controle total e da previsibilidade máxima que não nos permite arriscar em nada que pareça remotamente inovador.
Há muitas formas de lamentar nossa sociedade dispersa pelo volume exacerbado de exposição à tela e informações, mas a mesma pessoa que pula o anúncio de 3 segundos é capaz de maratonar uma série de muitas temporadas, devorando episódios de 50 minutos um atrás do outro. Talvez nosso problema não seja a duração, mas a qualidade com que recompensamos o tempo investido da nossa atenção que é brutalmente disputada.
Se temos a chance de levantar e pautar conversas, de reunir talentos diversos, construir e destruir repertórios imagéticos, estamos fazendo muito pouco. Não poupamos recursos quando criamos imagens descartáveis, mas ignoramos o poder da semiótica e partimos para a literalidade em tudo. Não economizamos tempo quando tentamos fazer igual o vídeo do TikTok que viralizou. Não parecemos mais jovens, nem ganhamos em autenticidade.
Negar a si mesma, na tentativa de ser alguma outra coisa que não publicidade, é abrir mão do que é, em essência, sua maior força: a disponibilidade de recursos que só uma sociedade orientada por consumo poderia dispor para isso e a qualidade profissional que envolve a produção de uma campanha.
A publicidade pode puxar a barra da criatividade para cima e chamo a responsabilidade para nós, que produzimos o que será colocado lá fora, e para as marcas e empresas, grandes financiadoras desse baile. Deixemos os creators serem creators. Os inlfus, serem influs. O cinema, ser o cinema. O que só a publicidade pode produzir hoje que nenhuma outra linguagem sonharia em realizar?