Por Vanessa Queiroz
O setor de design é, predominantemente, masculino e branco — assim como o mercado de comunicação e publicidade como um todo, este ambiente é reflexo da pequena parte da sociedade privilegiada brasileira. Não tem como ser diferente. Além de incluir outras camadas, como a social e a financeira. Os designers sempre foram e se consideraram elite. A ideia da própria profissão e da sua expressão criativa é recente, isso se compararmos com outros ofícios como medicina, engenharia e direito, que são centenários e estabelecidos no imaginário. Fato é que o design é essencial, principalmente, aos olhos e aos usos e, portanto, dominado pelos homens. Se você incluir nesta equação o empreendedorismo, o cenário é ainda mais machista.
Como mulher, vejo que parte da minha geração — nascidos em meados das décadas de 70 e 80 — demorou para perceber o machismo latente. Eu entendia a minha relação desde o colégio, com os amigos próximos sendo todos homens, como um privilégio. Naquela época, eu queria ser como eles, ter a liberdade que eles tinham e usar as roupas que eu quisesse — mas a pressão que nos era imposta tinha dois caminhos: uma carreira bem sucedida e masculina ou casar e ter filhos. No meu caso, escolhi não ter filhos, casei três vezes e já estou numa relação séria há 24 anos com meus três sócios homens, em um escritório de design estabelecido em São Paulo há 20 anos.
Quando me dei conta que vivia em uma realidade totalmente machista — mesmo tendo o “privilégio” de ser a única mulher da minha sociedade na empresa, eu mesma me achava especial. Sororidade era uma palavra que eu não conhecia e até repudiava. A verdade é que fui criada para entender que a mulher que chega lá, chega “no facão, abrindo caminho”, e que assim que devia ser para nos igualarmos a eles, tinha que ser “muito macho” para ser uma boa profissional do design. É neste momento, que vem o pulo do gato, ou da gata: se o todo não mudar, e entendermos que fazemos parte do todo, nada muda. Se eu cheguei lá, tenho por obrigação, a partir da minha consciência, fazer no mínimo esse entorno mudar.
Durante os meus 30 anos de profissão me deparei com muitos cenários que me causaram estranhamento. Não poderia ser “natural” que, na minha classe na universidade, éramos apenas oito mulheres, em uma turma de 40 alunos. Anos depois, compreendi que ser líder era a força e não por merecimento; não era normal que o papel reservado na criação para mulheres era apenas para o cargo de atendimento e, no máximo, planejamento. Isso era muito pouco para o que eu imaginava de futuro.
As mulheres tinham e têm que ter espaço para liderança criativa. Nós trazemos um aspecto essencial para o que entregamos em design, que é uma visão criada e moldada em olhar para tudo e para todos, algo que é muito relevante para qualquer entrega, desde o branding até o produto. Isso é importante principalmente para entregas que antes atendiam um mercado feminino, muitas vezes pensado e executado por homens. Até absorvente eles vendiam. Seria legal se eles menstruassem também, né? Teríamos o mínimo de realidade naquelas propagandas que mostravam mulheres envergonhadas pelo período, e era como se o absorvente mudasse a nossa vida. Só rindo, né?
Em 20 anos de empreendedorismo em design, passei por todo tipo de situação, que infelizmente todas as mulheres já passaram: de assédio velado ou explícito, de ser interrompida sempre que tinha uma opinião contrária, de ser chamada de louca, estressada e sem controle sempre que o abuso passava do ponto. Porém, depois que entendi o panorama do nosso país, resolvi correr atrás de me envolver — e aqui eu acredito que não é uma obrigatoriedade, mas o design me ajudou muito a olhar para o mundo pela ótica feminina, entender e propor espaços, romper barreiras.
Foi neste momento que comecei a participar de projetos que traziam para a mesa a pauta feminina, como um aplicativo que denunciava — disfarçado de horóscopo — a violência contra a mulher; ou quando criei, junto com a Ideafixa e a Mídia Ninja, o design ativista, página do Instagram com mais de 300 mil seguidores que fala das pautas ditas minorias por meio do design. Passei a entender que o design é uma ferramenta social, que não tem como desenvolver nenhum projeto sem levar em conta o que é a sociedade e o recorte que aquele produto ou serviço se encaixa. E foi assim que passamos a subsidiar projetos como o WME — há 8 anos.
Depois, apoiei e entrei como embaixadora em um movimento junto com a plataforma MoreGrls, que propõe 50% de mulheres nas cadeiras de lideranças; hoje meu escritório conta com 65% de mulheres — sendo 50% na direção criativa. Liderei a maior premiação de design no brasil, o Brasil Design Award (BDA), da Associação Brasileira de Empresas de Design (Abedesign), onde fui responsável por trazer, por duas vezes consecutivas, 12 mulheres para presidência das 12 categorias de júri — algo inédito no Brasil e no mundo, além de bolsas para mulheres, pretos e indígenas.
O que eu comecei a fazer e acredito que quem tem a disposição e, principalmente noção do todo, é olhar para o entorno de verdade. No entanto, vale ressaltar que não dá para colocar todas as mulheres no mesmo plano. Vivemos num país desigual, com uma renda por família em que mais de 80% sobrevive com menos de um salário mínimo, além de mães solo, que criam e trabalham. Até a exigência de um diploma é complicado e já se sabe que mulheres brancas saem com privilégio dentro de uma sociedade historicamente racista.
Nós, como pessoas físicas, temos que nos movimentar para tratar o assunto da mulher e demais pautas de uma maneira menos miope. Se tratando das empresas, acredito que o primeiro passo é a auto análise, olhar para dentro, para o seu quadro de colaboradores e parceiros, e para fora, para entender que tipo de cliente queremos para o presente e para o futuro. Com isso em mãos, iniciar planos de ação e caminhar com a mudança da sociedade — não ficar na discussão rasa de onde é o lugar da mulher, isso porque o lugar dela é onde ela quiser estar.
Para finalizar, trago algumas dicas que me ajudaram, como o ‘Clube do Livro do Design’, o podcast ‘Lombada, da Tereza Bettinardi’ e o livro ‘Aprender de Coração, da Corita Kent’. Também temos a plataforma MoreGrls, que busca espaço para criativas na direção, além de trazer as grandes agências para as pautas femininas. Por fim, o documentário “Abstract Art of Design”, da Paula Scher, na Netflix. Ouçam as mulheres, sigam as mulheres e juntem-se às mulheres.
*Vanessa Queiroz é sócia-fundadora do Estúdio Colletivo, escritório brasileiro independente e multidisciplinar de design